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Claudia Jimenez e o quarteto protagonista da série: Lilian Valeska, Karin Hills, Maria Bia e Corina Sabbas. |
“Quem
te comeu fui eu! Quem tem a boca sou eu”, disparou Zulma (Karin Hills),
aniquilando quaisquer pretensões de poder do parceiro Elder (Rafael Zulu) na
mais nova série de Miguel Falabella, que vem dando o que falar. Só por essa frase,
libertária, emblemática e significativa do poder e da afirmação do sexo feminino,
já podemos constatar que “Sexo e as negas” está longe de ser machista ou racista,
como foi acusada mesmo antes de sua estreia, na demonstração mais literal
de pré-conceito a que já tive notícia.
Talvez
pelo título abarcar dois temas sempre tabus em nossa teledramaturgia, sexo e
negras, a série já sofreu um pré-julgamento antes mesmo de ir ao ar. O termo “nega”,
dependendo da entonação, não tem nada de pejorativo ou depreciativo. É
simplesmente uma questão de prosódia, sendo muito usado nos estados do Rio e da
Bahia, presente em várias obras da literatura e letras de música que não sofreram
tal patrulha da insuportável onda politicamente correta que assola nosso país. Que os "neguinhos" e “neguinhas” de Caetano nos resgatem!
Pois
bem, o que os fiscais do politicamente correto temiam era que a série reduziria
a mulher negra em mero objeto sexual, restrita a rebolar e a satisfazer o desejo do
sexo masculino. Mas o que se viu na tela foi exatamente o oposto: mulheres
lindas, inteligentes, poderosas, independentes, donas de si, senhoras do seu próprio
destino, a exemplo das quatro brancas novaiorquinas de “Sex and the city”, inspiração
maior da série de Falabella. O autor, nada mais fez, do que transpor o mote da
série norte-americana para o subúrbio de Cordovil, adaptando para o universo de
quatro mulheres negras e pobres, mas nem por isso, vítimas de sua condição. As
quatro protagonistas da série trabalham em profissões variadas, são financeiramente
independentes dos homens que se relacionam e, principalmente, são donas do próprio
corpo, do próprio prazer e dos próprios desejos.
Não é
a primeira vez que Miguel Falabella enfrenta esse tipo de patrulha sobre uma obra
sua. Na novela, “A lua me disse” (2005), vários organismos em defesa dos negros
protestaram contra as personagens Latoya (Zezeh Barbosa) e Whitney (Mary
Scheila), pelo fato de serem duas negras que rejeitavam as próprias raízes e
faziam de tudo para parecerem brancas. Mesmo com o contraponto da personagem Violeta, vivida por Isabel Fillardis, orgulhosa de sua etnia e cultura, a novela não foi poupada, sendo acusada de
racista. Como se o preconceito só viesse da parte dos brancos e não estivesse
enraizado em nossa cultura de maneira geral. Tolos, não entenderam que a novela prestava um inestimável serviço ao fazer uma forte crítica ao racismo enraizado em nossa cultura que, muitas vezes,
vem exatamente de quem é vítima dele, até como um mecanismo de defesa, um modo
de sobrevivência em um mundo, infelizmente, ainda dominado pelos brancos. Perdeu-se
uma ótima oportunidade de discutir mais profundamente o tema, em prol do politicamente
correto.
Outro
argumento por parte de algumas pessoas que são contra a série é o fato de serem negras e não sentirem representadas por ela. Ora, mas um personagem negro tem que, obrigatoriamente,
representar todo o conjunto de negros de nosso país, como se as pessoas não possuíssem sua própria individualidade e idiossincrasias, independente de sua
etnia? Esse tipo de argumento é altamente nocivo para o próprio negro, uma vez
que o segrega a um único arquétipo e nega nossa imensa pluralidade cultural e
regional. Então o personagem negro tem que ser somente um único tipo, não pode
ser vilão, tem que ser sempre o bonzinho ou a vítima? Quando Milton Gonçalves interpretou
um político corrupto em “A Favorita” (2008), não faltaram críticas na época
pelo fato de um personagem negro ser retratado como vilão. Já está mais do que
na hora do negro se libertar dessas amarras e poder ser visto na teledramaturgia
como indivíduo e não como um estereótipo, mas complexos, com contradições, qualidades, defeitos, podendo ser
bom ou mau, fazer papel de mocinho, bandido, malandro, trabalhador ou o que
quer que seja. Como gay, não acho que eu tenha que me sentir representado por todo
personagem gay em novela. Não somos um bloco único e imutável. Isso faz parte
da diversidade, da pluralidade. Somos negros, brancos, gays, héteros, mulheres,
homens, jovens, velhos, ricos, pobres... Somos todos diferentes. Somos,
sobretudo, únicos!
Portanto,
muito obrigado, Miguel Falabella, pela ousadia e pela coragem de dar voz,
espaço e protagonismo inédito a um grupo de mulheres que, não necessariamente
representam todo o conjunto de mulheres negras do país, mas que representam,
sim, um determinado grupo, de mulheres guerreiras, suburbanas, batalhadoras, maravilhosas,
que experimentam a liberdade de serem quem são e enfrentam os preconceitos de
um país paternalista que ainda não se acostumou com a ideia de que as mulheres
podem tanto ou mais que os homens. Obrigado por nos brindar com o talento e a
beleza de Karin Hills, Lilian Valeska, Maria Bia, Corina Sabbas e mais um grupo
imenso de atores negros igualmente talentosos. E obrigado por não negar a liberdade
sexual às mulheres pobres e negras e não restringi-la apenas às brancas novaiorquinas!
Viva o sexo! Viva as negas! Viva a liberdade de criação!